Que provas dá a Igreja da existência de Deus?, perguntaram-me há dias.Como responder a uma pergunta, imagino que sincera, mas, em si mesma, tão insidiosa? Que dizer de significativo se, à partida, Deus fosse colocado como simples objecto de uma prova científica ou como demonstração de tipo matemático? Existirá, na história do cristianismo, uma única pessoa que tenha chegado à fé, só porque alguém, particularmente inteligente e claro, lhe provou que Deus, de facto, existe? Ou, ao invés, haverá alguém que deixe de crer, simplesmente porque outro, igualmente inteligente e muito esclarecido, lhe prova que Deus, afinal, não existe?
Bastaria abrir uma só vez qualquer página da Escritura para perceber que, na tradição hebraico-cristã, a existência de Deus se coloca num registo totalmente diferente. Antes de mais, porque é o Deus de um povo, de homens e de mulheres de carne e de respiro. Ou bastaria recordar que o cristianismo não se compreende sem a encarnação de Deus na história de Jesus. Portanto, que Deus não diz de Si senão enquanto Se dá a nós, dando-Se a reconhecer por dentro dos cumes e dos abismos da nossa humanidade, das nossas linguagens, dos nossos ritmos e lugares. A fé cristã não professa simplesmente que Deus existe (seria tão pouco ou quase nada), mas, sim, que a Sua existência é radicalmente relevante para a nossa. Em Jesus, sim, professa que Deus existe, mas enquanto existe desde sempre para nós e que é para sempre connosco. Deus é enquanto Se dá e dá-Se enquanto Se dá ao reconhecimento dos nossos afectos e da nossa inteligência. No fundo, da nossa liberdade.
É verdade que o tema das provas da existência de Deus é muito antigo no pensamento cristão. Diz respeito ao «conjunto de procedimentos intelectuais pelos quais a razão humana se eleva até à formulação de Deus». Sobre ele escreveram pensadores de tanta relevância como S. Agostinho, S. Anselmo, S. Tomás, Kant ou Hegel. Em 1870, foi um Concílio, o Vaticano I, a afirmar que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido e, portanto, demonstrado a partir «das obras visíveis da criação», tal como uma causa é conhecida pelos seus efeitos. Não é pouco o que aqui se declara. Trata-se da relação íntima e inseparável que, no cristianismo, se estabelece entre criação, fé, inteligência e procura da verdade. Ou, de outro modo, da afirmação de que Deus, Aquele que na fé Se professa e Se adora, não é estranho à razão que partilhamos enquanto seres humanos. O Papa Bento XVI não se tem cansado de o recordar. Sabemos, porém, que colocar, hoje, a questão de Deus em termos de provas irrefutáveis, ilude, antes de mais, a dinâmica e a fecundidade existencial da fé que é sempre visceral e dramática. Sendo questão de vida, não pode não implicar a totalidade de uma vida e uma vida toda. Além disso, não é difícil encontrar quem, por meio de provas irrefutáveis, pretenda argumentar a não existência de Deus. Basta recordar R. Dawkins (A ilusão de Deus) – autor que recentemente escreveu sobre as «razões para não crer». Colocando-se no campo das provas, pretendeu provar, finalmente, que Deus é apenas uma ilusão. Mas, dito isto, sobre Deus e sobre a fé, não ficou ainda (quase) tudo por dizer?
Voltando à pergunta inicial – que provas dá a Igreja da existência de Deus? – responderei que a Igreja não prova, testemunha. A primeira testemunha é o próprio Jesus que, na história da sua vida entre nós, realiza a reciprocidade mais perfeita que um homem pode desejar ter com a sua própria origem. A esta chamou Pai. Assim é para cada cristão. Pela configuração da sua vida ao Evangelho de Jesus, cada qual, segundo a sua medida, diz quem Deus é, garantindo que quer ser para nós, mas não sem implicar a nossa liberdade. Depois, por serem testemunhas, nem os cristãos, nem os mártires entre eles, são cópias ou repetidores. Por darem uma configuração particular e única à «verdade que é a vida de todos e de sempre»; por lhe darem corpo e biografia, cada qual testemunhará sempre a originalidade de um encontro único, dizendo, por isso, algo de singular sobre a infinita riqueza de Deus que é para nós.
Para aprofundar:J. I. G. FAUS – I. SOTELO, Deus e a Fé, Casa das Letras, 2005.
E. SALMANN, La palabra partida: Cristianismo y cultura postmoderna, PPC, 1999.
P. SEQUERI, La idea de la fé, Sigueme, 2007.
José Frazão Correia sj
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